sábado, 8 de julho de 2023

O Doutor Araldite - (VillaNews) - Estórias da Villa III

 Obs.: Vide "Elucidatius" na primeira publicação Estórias da Villa (I)

Pois dentre os tantos personagens que marcaram época lá na “Villa”, certamente o filho do velho Araldo, foi um deles. Os mais antigos, se ainda vivos, hão de confirmar.
Seu nome completo, tal fiel expressão do Livro “J” de Registros da Paróquia da Sede, folha 98, era: “Araldite Baluarte Pontes”.
Nascido na nona lua da gestão do Artur Bernardes, em Dorf Unten na barranca do River Fake, sul do município, ali cresceu e desenvolveu sua perspicaz esperteza. 
Era o filho terceiro do Sr. Araldo Pontes, desembaraçado pedreiro livre e de Dona Judite Baluarte, iniciada professora, bem primária.

Descendentes de conceituada família portuguesa, os Pontes, violentamente perseguidos pelo governo Oliveira Salazar (como os demais confrades), na época emigraram fugidios para o “além-mar”, como denominavam o Brasil.

 Foto da chegada dos primeiros portugueses

Logo adulto recém-feito, Araldite foi ao Rio de Janeiro, onde trabalhou como secretário no Palácio da Rua do Lavradio e lá conheceu o professor Joaquim Marques, influente tentáculo do Dr. Juscelino. Foi o suficiente para aprofundar seus conhecimentos políticos, sociais e esotéricos.
E, grande orador que passou a ser, o Pontes logo foi convidado e assumiu um alto cargo na Companhia Paraestatal de Telephones, na capital da província.

Oportunamente, foi transferido para a Villa, onde desempenhava a função de Chefe da Loja, para júbilo e satisfação do velho Araldo, já pedreiro aposentado.
Alguns anos após, com o falecimento do pai, foi cognominado pelos irmãos como o predileto filho da viúva. 

Mas o auge de sua escalada foi com a filiação ao PRC (Partido Recentemente Criado), quando frequentava as natas sociais e desfilava de Ford Fairlane, reluzente anil com capota preta de courvin, compassadamente ao redor da Praça do Triângulo Solene, o que na época, representava a máxima expressão de status rodante.

Glittering Yellow Purple

Já então intitulado “Doutor” Pontes, o Araldite exercia também uma peculiar, sombria e lucrativa atividade: a intermediação de sigilosas auscultações telefônicas.  Pois que, por alguns contos de réis ao mês, ele ligava invisíveis fios entre alguma visada linha e o aparelho do interessado.
Então, comodamente instalado no escritório, consultório ou até deitado na cama da amada, qualquer pagante ouvia (ou pior, gravava) quaisquer íntimas conversas telefônicas escolhidas.

Contou-me a Euglena, uma das meninas da pensão de Dona Zoocádia, que naquela casa acontecia o inverso, pagavam para não ter o telefone grampeado, tranquilizando a oculta e literal relação dos clientes.

O maquiavélico pretinho alcaguete

Obviamente, os aparelhos do alcaide, assessores, coronel, delegado, eclesiásticos e outras autoridades, tinham o serviço devidamente encarecido. Coisa de até mil moedas mensais, principalmente quando eram próximas as eleições.

Os contatos, para a efetivação dos “grampos” eram sutilmente estabelecidos através de Dona Lenda durante os informais encontros matutinos do cafezinho (Klatschtreffen), no “Habeas Corpus Cafe”.

O Araldite teria sido o inventor do “grampo contínuo”, um sistema que transmitia todos os sons próximos ao telefone da vítima, mesmo com o aparelho desligado.
Tal procedimento excedia ao planejado, comprometendo até sonoros carinhos de alguma empregada com o filho da ausente patroa, no sofá da sala, perto do sinistro aparelho, na época, preto reluzente.

O sistema chegou até transmitir ao vivo, para a capital, por conta de um rádio amador alemão: a romântica conversa do condestável inglês Mr. Lowtown Firststep com a irmã Sister Whiteglove.

Havia até um sistema compacto

Devidamente enriquecido, o Araldite adquiriu uma grande área de terra às margens do Fake River e, amasiado com a esposa do falecido rábula, passou a administrar a herdade.

Enfim, para encurtar o causo, o “Doutor” Pontes faleceu um ano depois, vítima de lamentável acidente.  Foi multiperfurado, após o vazamento das intimidades do vigário Meher Licht com a esposa do alcaide, então publicadas no hebdomadário da Villa. 

Então, sem deixar legatários descendentes, o proditório sistema confidente acabou por ser patenteado por uma dominante entidade setentrional, que passou a auscultar sem limites, tirando o sossego de ambos hemisférios.

Prof. Eng. Darlou D’Arisbo
julho de 2023

Reflexão do dia:

Há dois tipos de pessoas que não interessam a uma boa empresa:

As que não fazem o que se manda e as que só fazem o que se manda.  (H. Ford)

 

 

 

 


 







 

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