segunda-feira, 15 de maio de 2023

O Apucunturista.. e outros causos. Estórias da Villa I

Elucidatius

Esta série de narrativas “Estórias da Villa” consiste em exercícios ficcionais, baseados em contenciosos fatos registrados e permeados com abundante colorido burlesco. 
Suponho que tais minudências expressas, adoçam as interpretações textuais, aguçando a perspicácia e ampliando nossa visão interpretativa do universo que nos circunda. 
Assim, tanto os fatos relatados e, principalmente os protagonistas, constituídos e personificados, não pretendem inferir em identificações ou ultrajes pessoais.  Consistem sim, em situações urbanas, devidamente arvoradas a patamares fantasiosos, adjacentes ao imaginário e transportando à históricas memórias de alguma urbe supositícia, existida no passado. 
E esta primeira "estória", além de fartamente ilustrada, apresenta uma proposital falha titular, especialmente orientada para vigilantes olhos ledores.
Assim posto, atrelada a carga de letras em cada vagão palavra, apitam e partem os longos trens das narrativas, nesta ilustrada viagem.


A primeira desta série “Estórias da Villa” (I)

 

O Apucunturista da Villa.. e outros causos.

Antes da metade do século passado, a Villa pertencia ao Território Federal do Estuário da Água Grande (com um nome adotado pelos Guaranis da região).  Mas, com a chegada dos destemidos guascas lá do sul, a urbe foi se formando. 
E, com uma estrutura multifamiliar implantada, ainda que rudimentar, em pouco tempo a necessidade de provimentos foi aumentando. 
 

Então apareceram mercadores andantes, inicialmente em lombo de burro, depois, com as toscas estradas pelo mato derrubado, surgiram as carroças. 

 

 

 
E, em pouco tempo chegaram os primeiros caminhões, com cabines de madeira, que gemiam engrenagens e anunciavam a oferta de tecidos, ferramentas, combustível, sal e outras cousas. Em linear consequência, o comércio iniciou sua implantação, abastecendo a demanda elementar de produtos.

 

O Fritzwagen e o Fritz Kleiner Sohn ao lado do Sechs Zylinder

O Hanz und Acht Zylinder, quando já transportavam gente

Não demorou para outras necessidades básicas fossem sentidas, principalmente a falta de serviços de saúde.

Neste estágio, a Dona Eisen Bahn ("estrada de ferro" em alemão e cerveja lá na Blumenau) veio de Mittlerer Strom, para ser parteira na Villa.
 


Normalmente necessitava de auxiliares

Mais do que mera obstetra, ela permanecia junto à parturiente

durante boa parte do puerpério, por vezes mais de um mês
 
Estabeleceu-se na Villa, também um barbeiro, o Sr Benito Muscoline, que exercia ainda a função de traquejado dentista.  Sim, realizava extrações, lancetava fístulas bucais e, claro, cortava cabelo e barba.  E como os fotógrafos ainda não haviam se estabelecido na Villa, conseguimos esta bela ilustração de outras plagas.
 

Barbeiro extraindo dente (imagem gentileza SindiOdonto - Caxias do Sul)

 

E assim foram se estabelecendo, dentre outros, os serviços de indispensável e premente atenção primária.

 

A saúde, no âmbito da medicina, teve um desenvolvimento em escala semelhante. Inicialmente evitados os métodos babilônicos, que tinham as doenças como possessão dos espíritos (crença atualmente ainda não bem descartada).

 

Depois, transpôs os muitos gregos degraus hipocráticos (2.500 a.C.), quando as patologias seriam decorrentes do desequilíbrio entre os quatro líquidos do corpo, que seriam: sangue, linfa, bile amarela e bile negra (conceito também ainda acolhido por insólitos atuais protagonistas).

 

Dentre as tantas epígrafes legadas por Hipócrates, destaco esta, digna de reflexão: “Antes de curar alguém, pergunte-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer.”

 

A Villa sempre recorreu à utilização dos apropriados e versáteis chás para curar inúmeras moléstias.  Assim, percorreu (e percorre) o longo caminho desta histórica utilização, iniciada pelo Imperador chines Shen Nung, lá por 2.700 aC. 

Inicialmente como decocção (folhas inteiras) e também como a infusão de folhas maceradas, sempre em água quase fervente.   

 

Afinal, até dois imortais Charles: o Spencer (Carlitos)

e o Lutwidge Dodgson (da Alice no País das Maravilhas) promoveram o chá.

 

Os chás resolviam (e resolvem) úlceras gastroentéricas, nevralgias, asma, vasculares, impotência, enxaquecas, artrites e tantas outras.  Havia até alguns ditos chás de proteção contra olho gordo, mau olhado e outros decorrentes supostos “psicooftálmicos”.

Seria este o chá de olhos gordos?

 

Não há maior olho gordo do que este, no interior da Turquia

 

Assim, no que tange à saúde, a história da Villa palmilhou por muitos caminhos, deixando resistentes pegadas em todos e mais alguns.

 

Enfim, e para justificar o destacado título lá de cima, a Villa também se apropriou da terapia com agulhas cravadas. Ou, explicando numa forma bem mais agradável e científica: o tratamento baseado na Medicina Tradicional Chinesa com aplicação de agulhas em acupontos nos meridianos do corpo humano.

 

A profilaxia adotada pela acupuntura estabeleceu-se na Villa visando estimular a analgesia e combater processos inflamatórios, aliviando dores e outros sintomas decorrentes de determinadas doenças e também algumas causas destas como o estresse e dermatológicas.

 

 

As agulhas são inseridas à profundidade de 0,5cm até 5,0cm

 

Não devemos confundir com outros procedimentos que utilizavam espetos cravados, como na Conjuração Bahiana (1798) em que todos os inconfidentes foram esquartejados e suas partes espetadas no largo de São Francisco daquela capital.

 

Embora tais eventos sejam citados por alguns autores como “horripilantes”, como os circos romanos, ouso discordar, pois que, suponho, seria mais apropriado o termo “espetacular”, que é um vocábulo composto por “spitus” do gótico, que significa espinho ou espeto, e “culus”, do latim, com sentido de pequeno.  Donde se conclui que "espetacular" é a ação de espetar, furar, alfinetar, trespassar,... com pequenas agulhas e grandes controvérsias.

 

Nem tampouco confundir com o sacrifício de animais à deusa da Gula (entre os babilônios) mas até hoje frequentemente utilizado, onde porcos são consagrados aos glutões e, após serem mortos, tem aplicados sais e aromáticos. Depois são empalados, com imensos espetos transpassando-os longitudinalmente e ficam a girar tontos por horas, até que, após retirados, são espostejados e carcomidos pelo ávido bando de vorazes  glutões.  

 


Foto CTG Querência de Ponta Porã    e  Clube dos Costeleiros de Osasco

Afinal, com ou sem o apoio da glutonaria, a Villa prosperou e muito. E, passadas muitas décadas, para orgulho dos descendentes pioneiros, representa um dos mais desenvolvidos burgos da província. 

 


Contam que, um clérigo, suspenso por uma centena de balões de gás 
teria fotografado a urbe.

 

E, com os augúrios de dias abençoados, 

esperemos a próxima viagem às Estórias da Villa.

 

 

Prof. Eng. Darlou D’Arisbo

maio de 2023