Obs.: Vide "Elucidatius" na primeira publicação Estórias da Villa (I)
Pois, por muitos e longos anos, a Villa sobreviveu sem jornal. Entretanto, numa bela noite de lua cheia, após a semanal reunião noturna na Loja dos irmãos Capra Hircus, os fraternos aliados resolveram inventar um jornal.
Na manhã seguinte, no Habeas Corpus Café (compulsório e matutino encontro), após irrefletida decisão conjunta, resolveram organizá-lo. E, pior, alardearam aos ventos distribuí-lo na próxima segunda quarta de junho, aniversário do alcaide, o Dr. Sapien Tisat.
Porém, como ainda em maio só tinham assunto aprovado de meia página, protelaram para após o fim do inverno, quando já estariam filiados os candidatos ao almejado sufrágio da alcaidaria, um tema quente para as noites frias.
Foto de J. Niépce empoleirado na lendária Acácia |
Numa reunião seguinte, afirmou o aposentado Coronel Geheime Blitzkrieg, ex-comandante da Jefté (Young Scouts), em timbre de locutor de rodeio, que, para imprimi-lo com sucesso, haveria necessidade de apenas três coisas: um péssimo equipamento, um medíocre corpo de colaboradores e um sensacional e palpitante assunto.
Em menos de onze semanas, o desacreditado equipamento estava completo, incluindo peças que hoje nos pareceriam assaz curiosas. Havia uma prensa de espremer torresmo que Dona Ultra Petita, mãe do vigário Meher Licht, trouxe de Santarrosainterland e um engradado de minúsculos tipos metálicos (alguns ainda góticos) que teriam sido reutilizados na Revolução Farroupilha.
A imensa máquina de escrever (entenda-se catamilhografar), pesada e preta, cujo mecanismo lembrava os metálicos intestinos de um bonde, foi cedida pelo juiz de paz, Dr. Cedant Toga Armae.
Semelhante, nas mãos do autor |
O corpo de colaboradores foi-se aos poucos formando, incluindo nobres autoridades da Villa, como o Dr. Aut Caesar, rábula da intendência e diretor do Gimnásio Casus Belli e sua esposa Aut Nihil, manicura do Bas Fonds Saloon, que prometeram responsabilidade sobre a revisão dos conteúdos.
Tinha também o pastor Pluralia Luther Tantum, emprestado da comunidade de Tigerbach, um notável e insigne defensor da moralidade que, embora não pertencente à distinta e secreta plêiade, foi adotado pelas suas patentes qualidades. Os apetitosos docinhos alemães preparados por sua esposa, tão doce quanto eles, interrompiam por sedução todas as extraordinárias reuniões vespertinas.
O professor Sehr Rauchend, teuto de nascido, letrado e neófito, foi encarregado da edição das matérias, mas como poucas lhe chegavam, acabou por desempenhar mais uma página: “Ad Argumentandum Tantum”, um apimentado heterogêneo relatando a desordem social, a menosprezada filosofia e a olvidada moral vigente.
As mulheres, ainda que inconcernentes à confraria base, também integraram o corpo editorial. As gêmeas Sister e Shwester, cozinheiras do Hotel Alameda, escreveriam gostosas receitas de carne de porco, bicho abundante nos arredores minifúndios da Villa.
A assassina arma do Doutor Oldcastle |
Importante era a caneta tinteiro do velho Oldcastle (Big Brother), que, nem velho nem castelar, dentre os bons, o melhor. Traria os brados contra as inadequações da produção agrária, malhava as extensas plantações de fumo: “Mandioca em lugar de fumo”, afirmava.
Na página policial, cognominada pelo Padre Virgulino de “Furandi, laedendi et necandi”, os afros Gibão-boa-fala e o Ataliba, tal engrenagens irmãs, traziam os acontecimentos policiais. Enquanto o Giba trazia as quentes, o Liba enfeitava-as com flores, chumbos e sangues, como se ao microfone da Regional (o popular GibaLiba de todas as manhãs), a emissora do estimado doutor Durvallino.
No festivo lançamento da primeira edição, no engalanado coreto do meio da Praça Central, com as autoridades presentes, foi muito aplaudido o oratórico discurso proferido pelo centurião estadual, em visita ao decurião municipal, o qual sensibilizou por demais a plebe semialfabetizada e pouco leitora, lacrimejando as solteironas e viúvas. Vociferou ele com o indicador em riste:
Com o braço esquerdo erguido, o polegar e o indicador insinuavam uma letra |
Nos dias seguintes, os primeiros exemplares foram, em lombos de burro, entregues às lideranças, em ordem decrescente de importância. Inversamente a esta lógica, as ponderações e críticas (algumas impetuosas), instalaram-se em rápida proliferação.
As soluções apressadas de última hora conspurcaram a pretensa e tranquila atuação do periódico. Ao copiar as fotos, avessaram o negativo do Coronel e apareceu ele, na primeira página, em continência esquerda, recebendo do General virado, a medalha sinistra no peito errado, com um aperto de mãos sestras, sob a bandeira invertida à frente de uma sonora banda de canhotos.
Enfim, o sucesso do empreendimento não residiu em sua intenção informativa, que teve em sua primeira, a última edição. Mas intentou positivamente no sentido de despertar da consciência comunitária e da cidadania. Algo como um malogro sensivelmente benéfico.
A partir do episódico da confraria, recrudesceram as adversas opiniões, os debates intensificaram, aliaram-se simultâneas e antes desconhecidas ideias concorrentes...
E a imprensa marrom da Villa então prosperou, assim como as tantas nuances policromáticas.
Prof. Eng.
Darlou D’Arisbo
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