Há alguns anos, numa tarde chuvosa e fria, estava eu solitário
e recolhido no interior do motor home, lá no Camping de Foz do Iguaçu. Eu lia algum assunto sem graça, quando vi,
pela janela lateral, a chegada de mais dois campistas, num pequeno automóvel.
Era um jovem casal de calouros que, apesar da chuva, ambos empenharam-se
a descarregar o carro e montar a imensa barraca.
O céu, ameaçando restaurar a vegetação
A tarefa deles, simples e corriqueira em tempo seco, constituiu-se
em barulhento desafio. Sacolas coloridas,
canos de estrutura, sacos de alimentos, fogão, bancos, roupas, corriam em
rodízio, transportados pelo par de pintos molhados, ora retirados do bagageiro
e colocados no interior do veículo, ora a incoerente inversão.
Palavras de ordem em diversos timbres logo se fizeram
ouvir. E os invisíveis e travessos
duendes da confusão, aos poucos tomavam conta do caos das ferragens, renitentes em
não encaixar para montar a difícil e teimosa tenda.
Decidi então ajudá-los e realizar mais que apenas uma boa
ação. Fazer o que eu gostaria que fizessem comigo em tais adversas condições
meteorológicas.
Sem quaisquer apresentações, atraquei-me com eles na
montagem da grande barraca de dois quartos, cozinha, e muito supérfluo equipamento.
Enfim, após longo tempo, nós três, encharcados, demos conta do
recado, ao apertarmos as mãos molhadas em cordial cumprimento. Prometemos nos encontrar na cantina, mais
tarde, para saborear uma merecida cerveja.
Ao voltar ao meu motor home, tiritando de frio, preferi tirar
a camiseta sob o toldo e secar-me antes de adentrar.
Porem, para minha absoluta surpresa, surgiu-me ali, de
repente e sem qualquer ruído, uma simpática senhora. Tinha
olhos brilhantes, um sorriso contagiante e vestia uma túnica branca, com capuz
acinzentado. Estava descalça e, com as
duas mãos, segurava uma xícara de aromático café quente.
Disse-me que admirou minha generosidade para com os novos
vizinhos, motivo pelo qual me trouxe o oportuno e delicioso café.
Café: mentor da gratificação cerebral
Não entendi de onde veio e como apareceu ali, repentinamente,
a um metro de mim, tal simpática mensageira de Deus. E, tomado de assombro, não me saiam as palavras de
agradecimento.
Embora minhas cordas vocais tenham conseguido só balbuciar
um simplório “b.. brigado”, juro que meu cérebro preparou mais. Uma retribuição
com mais e melhores palavras. Algo
como:
“Distinta e nobre
senhora, eu não sou merecedor de tamanha gentileza. O auxílio que prestei aos nossos recém
chegados vizinhos, não justifica seu tamanho sacrifício. Em pés nus na grama lamacenta, submetida aos
rigores desta fria chuvarada, mãos a embalar tão singela porção quente e
restauradora... Nego-me a sorvê-la! Vou sim guardá-la a mil e uma chaves, por sete séculos, tal joia líquida, para
minha eterna admiração...
E que o bondoso Deus, em Sua infinita bondade, me permita lembrá-la, qual celestial criatura - um surpreendente anjo -
a evocar-me a cada boa ação... tão poucas o faço.”
Mas o sublime inesperado bloqueou o procedimento mental e impediu-me
de proferir tais doces palavras.
O dia seguinte amanheceu ensolarado, com límpido céu de
brigadeiro.
Tentei em vão encontrar a tão gentil senhora, para
agradecê-la. Percorri os locais próximos, perguntei aos demais vizinhos, porem
sem sucesso.
E, ao perguntar ao Guarda Camping, informou-me ele,
claramente espantado com a história, que tal pessoa e conforme minha descrição,
não estivera presente no camping.
Espero um dia poder encontrá-la, etérea vizinha, para
retribuir tal notável e inesquecível gentileza.
Neste ou em algum mundo destes.
Darlou
D’Arisbo - setembro de 1995