quinta-feira, 17 de julho de 2014

010 - A Graça de Viajar

(Lebensraum: o espaço vital)

Então Deus, misericordioso e onipotente, fez a luz, a terra, o céu e o homem, dentre uma infinidade de tantas outras graças divinas.  Da luz, nós homens descobrimos o céu e a terra.  E da terra, abrimos nossos caminhos e iluminamos nossas vidas com as sagradas cores do firmamento.  Então, devidamente ferramentados, concebemos nossos abrigos casas, inventamos as rodas e suas tantas derivadas.  Daí, em poucos milênios, os mais iluminados souberam atrelar as rodas nas casas, juntar suas amadas rainhas e carregar as tralhas pelos tantos maravilhosos caminhos, compartilhando alegrias com outros pares.  Aproveitemos, pois, nossas casas móveis, como uma das graças divinas.

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O Criador coloca suas obras à nossa disposição (Suiça)

Sim, todos fomos criados à imagem e semelhança do Criador, mas somos diferentes entre nós. Alguns altos, outros baixos, sorridentes ou carrancudos, magros ou gordos, carecas ou cabeludos,.... Assim também nos distinguimos quanto ao nomadismo ou sedentarismo, pois que muitos gostam de viajar e outros não.

Afirma o renomado sociólogo italiano Domenico de Mazi que:

“Uma parte dentro de nós sente a necessidade de um lugar inalterável para guardar os chinelos, um lar permanente onde possa sempre viver. Outra parte sente uma espécie de horror ao domicílio fixo e deseja vagar pelo mundo. Por vezes uma destas tendências prevalece, outras vezes se alternam e, em alguns casos lutam entre si. (...) O nômade conserva um segredo de felicidade que o cidadão (sedentário) perdeu”.

Na história da humanidade, sabe-se que o mais antigo viajante conhecido é a Lucy. Seu esqueleto está preservado como o mais vetusto remanescente humano. Tinha cerca de vinte anos quando faleceu, havia aprendido a caminhar na posição ereta e era nômade. Viveu onde hoje é a Etiópia, há mais de um milhão de anos, e jamais pernoitava na mesma árvore. Viajava continuamente, procurando segurança, alimento e fugindo dos muitos predadores.

O exemplo oposto é de um casal, que conheci há meio século, vizinhos de meu avô. Eles moravam numa residência suficientemente autônoma, com pomar, horta, fonte de água, invejável biblioteca, pequeno moinho para produção de farinhas,... Possuíam até um gerador eólico (na época denominado catavento) para iluminação (6 Volts) e funcionamento de um rádio. Mas a insólita característica é que nunca saíam de casa. Visitávamos eles sempre na época do Natal, quando comentavam sobre o tempo decorrido desde a última saída, poucas vezes naquelas últimas décadas...

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O monocromático aconchego no frio dos Pirineus

Para nós “motorhomistas”, embora eu discorde da posição radical do citado “horror ao domicílio físico”, suponho que pertencemos à segunda tendência, em nossas admiráveis casas rodantes. Assim, conciliamos um restrito sedentarismo ao ilimitado nomadismo em nosso pequeno grande mundo.

No motorhome, sabemos combinar o conforto e aconchego da residência com a primazia da liberdade do deslocamento. Nas palavras de um digno médico e motorhomista, de Pelotas/RS: “nada substitui transportar nossos próprios cheirinhos”. Realmente, não estivéssemos em nossos motorhomes, cada hotel incorporaria estranhos odores, assim como as imóveis e mofadas casas de férias.

Embora o desafio entre o sedentário e o nômade exista há mais de cinco mil anos, quando passamos a constituir cidades, o “vírus” viajante que mora em cada um de nós desassossega-se e estimula nosso desejo de viajar.

210 Silenciemos ante o magnífico adormecer de Rá  - o Rei dorme no Pacífico 

São nestes percursos que constituímos as amizades, descobrimos novos horizontes, conhecemos outras filosofias de vida, aprendemos a compreender a natureza e a melhor usufruir da própria vida.

Foi através das viagens que o homem progrediu, caso contrário não teríamos a América, a bússola, o avião. Nem o conhecimento dos milênios das terras distantes.   Não fosse o mercador Marco Pólo trazer o macarrão da China para a Itália, as caravanas buscarem condimentos da Índia para a Europa,.. não desfrutaríamos das tantas delícias.  O português Magalhães não teria circunavegado a Terra, antes “quadrada”, ou nem existiríamos, pois que foram as viagens que trouxeram os antepassados e nossas sementes para cá! E sem os “bandeirantes” ainda estaríamos divididos.

175a  Laguna

Ali em Laguna/SC seria o divisor entre as terras lusas e espanholas!

No século passado, os livros que relatavam viagens, tiveram seu maior sucesso, proporcionando ao leitor, sem disponibilidade financeira para tal, a astuciosa ilusão de acompanhar o percurso.  Muitas viagens foram motivos de grandes apostas pelo seu sucesso ou fracasso, temas até de filmes clássicos de ficção como o pioneiro “Viagem à Lua” (1896) e o poli reiterado “Volta ao Mundo em 80 dias”.

A viagem promove em nossa mente o desenvolvimento de novos processos cognitivos e atividades psicológicas, decorrentes das diferentes fontes então vividas, aprimorando formas de compreensão, percepção e imaginação.  As experiências incorporadas impõem ao nosso intelecto uma flexibilidade para poder lidar com pessoas, momentos e lugares diferentes, assimilar distintas realidades e resolver obstáculos e contratempos sem precedentes.

Todas as experiências de viagens nos excitam a criatividade. O gênio extraordinário que foi Mozart, certamente não teria o imortal sucesso, não fosse seu deslocamento por todo o mundo desde a infância.

Assim posto, dentre outros tantos prazeres ofertados pelo Criador, usufruamos desta fantástica “Graça de Viajar”.

Afinal, o sublime prazer da chegada curva-se ante a majestade do percurso.

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Desta janela para o mundo, concluímos quão pequenos somos ao infinito do universo

e quão grandes ao merecer e usufruir tais bênçãos do Supremo Arquiteto.

Darlou D’Arisbo

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