sábado, 24 de janeiro de 2015

013 - Meu querido Land Rover

 
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Para uma criança ávida de informações, curiosa, meticulosa, investigativa no âmbito das intrincadas maquinetas, cada descoberta de funcionamento mecânico simbolizava uma vitória do saber sobre a ignorância.  Assim, eu desmontava brinquedos de corda (acionados por flexão de mola enrolada), inservíveis relógios de mesa, liquidificadores,..   As engrenagens, transmissão de movimento, ações de força motriz e outros componentes mecânicos fascinavam-me e constituiam meu fantástico universo.
Este conto integrou o livro “Apenas, uma miscelânea” de minha autoria

Meu querido Land Rover

No dia de meu oitavo aniversário (16 de julho de 1956), papai me deu o melhor e mais inesquecível presente de toda a minha vida. Claro que não dirigido exatamente para mim, pois que um veículo inglês e zero quilômetro, não consistiria em sensato presente para um pirralho de terceira série primária, embora eu fosse considerado pela família e amigos como um precoce “expert” em automóveis.   Mas juro que me imaginava proprietário dele. Papai seria apenas o motorista e eu amava aquele fantástico Land Rover, verde, novinho e cheiroso. E, pelas suas janelas, um novo mundo descortinou-se para mim. Nele, eu me sentia seguro, a vislumbrar paisagens antes nunca vistas, a ultrapassar obstáculos intransponíveis para os outros veículos. Dentre tantas outras memoráveis imagens, perpetuadas em minha memória, lembro quando rebocamos um caminhão carregado de cebolas, antes atolado nas areias da cidade de Torres, no litoral gaúcho.
Tal como algumas crianças, idolatravam personagens de revistas em quadrinhos ou filmes da época, o meu herói era metálico, real e valente como nenhum. Eu vibrava com a demonstração de força e capacidade do meu ídolo veicular.  E, como eu não entendia inglês, digeri todas as figuras do imenso manual do proprietário, deduzindo as informações, para auxiliar o papai na manutenção do veículo. Aliás, além das memoráveis e prazerosas viagens que fazíamos, minha alegria de final de semana era lavá-lo, verificar nível de óleo, de água, limpá-lo caprichosamente, até em seus detalhes com uma velha escova de dentes.
Aos poucos, papai foi me permitindo outros prazeres. Como eram três bancos dianteiros e independentes, eu ia sentado no do meio, mudando as marchas, engatando a tração dianteira ou a “reduzida” naquelas três alavancas coloridas, em perfeito sincronismo visual e auditivo.  E, por ser magrinho, enfiava-me por baixo do carro, para desparafusar o bujão de escoamento do cárter, na ocasião das trocas de óleo.  Uma vez fui repreendido pelo papai, ainda que delicadamente, por ter escoado o óleo da caixa de cambio em lugar do cárter. Não demorou muito e eu já desfilava, no colo do papai, deslumbrado na direção do Land Rover.

Land Rover 1

Meu ídolo foi mais que um herói de alumínio e aço. Foi um fantástico e metálico professor de mecânica. Nele aprendi, na primeira década de vida, o funcionamento do motor, da bomba elétrica de combustível (revolucionária para a época), articulações de tração dianteira, e outras tantas maravilhosas e férteis sementes que frutificaram meu conhecimento atual.  E atrapalhava os mecânicos da concessionária, ao meter-me entre eles, quando das revisões convencionais. Eu precisava entendê-lo, sentia necessidade de conhecer suas entranhas mecânicas, para poder sanar ou ajudar em caso de alguma possível e rara pane.
Anos depois, o demonstrado carinho ao Land Rover rendeu-me o mais fantástico prazer que poderia desfrutar um menino de dez anos. Foi no verão, quando papai foi caminhar na praia, enquanto eu brincava de pilotar o carro, estacionado em frente à nossa casa de veraneio.  Sozinho e transbordando coragem, girei a chave, dei ignição, pisei na embreagem e engatei a marcha, mas o medo venceu... Desengatei e desliguei. Com o coração acelerado e o suor escorrendo, pensei: “serei um frustrado, se não o fizer”.   Liguei novamente e, com perfeição, fui dirigindo até o final da rua (uns 200m), onde manobrei e voltei, estacionando no mesmo lugar, obviamente invertido.
Adormeci então em seu banco, na plena meia tarde, esgotado pelo êxtase da primeira vez em meu domínio completo da máquina.  Acredito que o meu querido Land Rover facilitou as coisas...  Logo depois, papai acordou-me, perguntando como o carro estava estacionado ao contrário. Tomei-me de coragem e admiti, tenso e gaguejante: “Tu não vais acreditar, pai, mas fui eu”. E, para minha surpresa, tomou-me no colo, abraçou e beijou-me.
Dois anos depois, tivemos o veiculo furtado. Com grande pesar, passamos a procurá-lo pela cidade. Encontramos nosso tão querido Land Rover irrecuperavelmente destroçado num depósito de carros acidentados.   Choramos abraçados, papai e eu, como nunca antes ou depois.
Darlou D’Arisbo

Os pequenos atos que fazemos são melhores que todos os grandes que planejamos. (George C. Marshall – general americano – 1880 / 1959 )













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