quarta-feira, 15 de maio de 2024

Meu maior desejo

Uma fábula veiculando a básica simplicidade para alcançar a tranquilidade.

Há alguns anos, quando eu passeava pelo parque de uma pequena cidade do interior, uma idosa senhora me interpelou e ofereceu uma pequena e antiga lamparina. Sim, lembrei daquela conhecida história do Gênio do Aladim (As Mil e uma Noites).

Disse-me ela que a havia encontrado numa caverna e não acreditava nestas coisas de gênio satisfazendo desejos, então queria doar esta antiga luminária a alguém.

Mas era um objeto sem os belos característicos arabescos daquele lendário conto árabe, narrado pela primeira vez por Hanna Diyab, morador de Alepo, na antiga Síria, em 1709.

Este era um objeto metálico tosco, desprovido de atrativos, construído artesanalmente em metal, já oxidado, com suas partes rebitadas a fogo e aparentando ter séculos de existência.

Certamente, embora um utensílio de aparência simplória, teria grande valor histórico.
 
Ela guarda séculos de história

Recebi a peça com entusiasmo e após agradecer, a anciã esboçou um sorriso e seguiu seu caminho. E eu a coloquei na mochila e continuei meu passeio matinal, no sentido oposto, admirando as flores e ouvindo os pássaros.

Ao chegar em casa, coloquei-a sobre a mesa e confirmei seus detalhes rústicos de construção, embora com encaixes perfeitos. Aparentemente confeccionado em época em as soldas metálicas eram raras, pois tinha intrigantes rebites curvos que fixam partes ortogonais: a base com laterais e estas com o topo.

A história relata que, da lamparina emanava uma alva fumacinha, aos poucos se transformando em um corpo de mago difuso e flutuante no ar. Seria ele, um gênio, capaz de atender a três pedidos realizados pelo portador da tal lâmpada.

Ela estava suja, como se há muito tempo sujeita a intempéries e poeiras. Então pus-me a lavá-la, inicialmente com querosene e depois com água corrente e detergente. Sequei-a com um paninho absorvente e depois, cuidadosamente, esfreguei-a com papel toalha, para retirar-lhe toda a umidade.

Ao final desta limpeza, ameacei guardá-la numa prateleira, mas vi uma nuvenzinha espiralada saindo pelo orifício frontal.


E a fumacinha foi crescendo...

Surpreso, notei ela modificar-se num enevoado colorido e transformar-se vagarosamente num personagem semitransparente, barbudo, vestido em longa bata branca, com detalhes coloridos e brilhantes. Tinha um turbante vermelho enrolado na cabeça e sorriu para mim, evidenciando seus dois dentes dourados.

Perplexo, sentei e deixei correr meu quimérico devaneio.
Então ele falou docemente:

“Sabah alkhayri, Shukran,.. Oh. Desculpe, esqueci de falar a sua língua. Eu disse: bom dia, agradeço... por me deixar ver o seu mundo. Em troca desta sua gentileza vou permitir satisfazer-lhe um desejo, apenas um. Pense bem, para não se arrepender depois. Não tenha pressa,... eu aprendi a esperar.”

Ainda atônito, fui vasculhar na minha memória algo cobiçado, importante, ansiado,...
Então, para manter a atenção e a presença do genial falante, de castanhos olhos penetrantes e pairando a três palmos de mim, pensei em voz alta:

“O que eu mais quero? Ora, ora, o que eu mais poderia ambicionar... Dentre uma infinita quantidade de tantas coisas. Com o imenso receio de citar alguma equivocada e sem poder desfazer?
O que realmente eu queria desejar, que satisfizesse a felicidade minha e dos que eu amo? É complicado, tem de ser agora, o senhor está esperando e é só um desejo! Mas não eram três, no conto?”

Ele maneou a cabeça lateralmente, com semblante sério, num firme e silencioso não e, mostrando o indicador verticalmente ereto, demonstrou claramente a unidade. E continuei, claramente audível:

“Ah, a mais cobiçada, deixa eu ver, lembrar. Espere, um momento, só um momento...
É isso, encontrei, um MOMENTO é o que eu quero. Apenas infinito e de terno prazer. Tendo o universo a me acarinhar envolvendo todos os meus sentidos. Ver brilhar meus olhos nas estrelas a vê-las dançar, embebedar meu olfato num refrescante odor de flores orvalhadas, mergulhar meus ouvidos em doces sons do manto noturno, receber o mais aconchegante contato afetivo, estando imensamente feliz ao trazer alegria a alguém.
E receber, enfim, as bênçãos do Altíssimo Pai, sempre presente...
 
Sentir-me-ia nascer, tal a mais magnífica criatura, por um apenas e inesquecível momento. A minha mais singela cobiça,.. um MOMENTO é o que eu quero!”
 
Então ele olhou fixamente nos meus olhos, repetiu um movimento vertical da cabeça numa evidente aprovação e foi desvanecendo aos poucos.
Por algum tempo fiquei a observar a pequena lamparina, abri sua tampinha. Estava fria, não havia lá dentro qualquer sinal fumegante.
 
Voltou a ficar vazia

Mas, asseguro-lhes que, a partir de então tive tantos momentos maravilhosos e condizentes com meu pedido e dediquei mais carinho à velha luminária.
Passei a guardá-la em local digno, embora incrédulo na extraordinária aparição.
Afinal, não posso esquecer que ali descansa o gênio dos bons momentos.

Prof. Darlou D’Arisbo
maio de 2024




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