Serão eles personagens conflitantes, similares em suas essências ou tipicamente distintos?
O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) afirma em “Ser e Tempo” que estar só é a condição original de todo ser humano, pois cada um de nós é único no mundo.
Continuando tal asserção, imagino que, cada pessoa, ao nascer, traz consigo um imenso diário em branco, preenchendo aos poucos, para tornar-se um livro ímpar, inédito e exclusivo. Assim, somos oito bilhões de livros dispostos e vivos na capa desta imensa esfera mundana.
Nietzsche, também filósofo e não menos tedesco, proferiu a memorável locução: “Não venha roubar minha solidão, se não tiver algo mais valioso para oferecer em troca.”
“A pior solidão que existe é darmo-nos conta de que as pessoas são idiotas”, do Gonzalo Torrente Ballester, espanhol, é uma sentença digna de parar para pensar, acreditando no mar do estagnado marasmo que nos rodeia.
“É ela (a solidão), que inspira os poetas, cria os artistas e anima o gênio”.
E o venerável poeta Eugênio de Andrade, português da Póvoa de Atalaia (Porto), afirma que “a solidão é um privilégio, pois que sempre detestei as coisas mundanas e, estar com pessoas apenas para gastar as horas é-me insuportável.”
Além de português e escritor, Antônio Lobo Antunes, que é vivo e psiquiatra, apresenta um conteúdo ainda menos audacioso e com uma pitada humorística: “Raras vezes tenho sentimento de solidão. E neles, não me sinto mal na minha companhia, divertimo-nos muito, os dois, eu e eu.”
Enfim, vejo que a solidão caracteriza o solitário crônico, tendente a uma desconexão social. Nas fases em que me senti só, imaginava apenas não possuir as relações nas quais eu até apreciaria estar incluído, o que não identifica a citada antropofobia.
Eu não procurava o isolamento, mas era, sim, a característica de meu entorno. Um somatório de condicionantes que me fizeram encontrar os livros e as ciências, para saciar esta suposta lacuna, apartando-me daquela danosa senda.
Estando sozinho, facilita saborear a natureza, alimentar o conhecimento reflexivo, apropriar-se da liberdade, disponibilizar o usufruto de todos os sentidos,... elucidar tantos enigmas e tomar decisões antes difíceis, no terreno conflitante.
Entretanto, a própria saudade habita tal ambiente despojado, navega numa emoção de expectativa, vigilando o tempo e, alicerçada na memória, prospera a imaginação.
Faz lembrar a canção “Sozinho” do iluminado Caetano Veloso:
Às vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois
(...)
prosseguindo o rumo dos ventos da vida.
Descortinará e vivenciará todo o fascinante encantamento
dos recônditos cenários, ocasiões com a amada presente,
fraternizando estes dois sós numa sublime harmonia.
Em Porto Mendes – PR, setembro de 2024
(Homenagem à amada esposa, temporariamente cumprindo atividades na Espanha)
(Todas as imagens de Porto Mendes de autoria própria, com exceção da última: “Freepic”)